As metas e o “ponto cego” da gestão por resultados: 5 motivos para abandoná-las

A máxima de que não conseguimos controlar o que não podemos medir é quase irrefutável. Acontece que a gestão em muitas organizações brasileiras está centrada em metas de todas as amplitudes e profundidades, muitas de mediocridade perniciosa para pessoas e negócios.

No início do século XX as preocupações administrativas tinham forte viés à eficiência. A premissa do controle a partir de critérios de eficácia tem a contribuição de Drucker, nos anos 60 com a Administração por Objetivos. A partir dos anos 90, a gestão por metas, indicadores, resultados ganhou força com vários sistemas e metodologias: destaque para o Balanced Scorecard e suas derivações. Há metas e indicadores para tudo, para todos o tempo todo. Será preciso tanto? O que explica o fato de mais de 80% das empresas não atingirem suas estratégias e objetivos?

Trabalho há quase 20 anos com o meio organizacional/empresarial em diferentes contextos: docência em estratégia, educação executiva, consultoria, pesquisa e acompanhamento diário da mídia de negócios e de outras publicações em gestão. Dentre as constatações sobre a gestão: muitos dirigentes estão conduzindo a gestão das empresas pelo “ponto cego”: a do resultado pelo resultado.

A seguir aponto algumas práticas comuns de empresas que são conduzidas pelos “pontos cegos”:

  1. Estabelecer opostos entre eficiência e eficácia. Os dois conceitos estão muito relacionados, porém há um recorrente discurso reforçando os requisitos de eficácia, em detrimento da eficiência. As definições mais comuns expressam que: eficiência é fazer do jeito certo e eficácia é fazer a coisa certa. São dois princípios fundamentais de gestão banalizados numa linguagem e acervo de exemplos que reduzem o significado dos termos, especialmente quando colocados em oposição ou em relação de mútua exclusão. Um exemplo comum: “num jogo de futebol, uma equipe pode jogar da melhor maneira (eficiente), mas não fazer gol numa partida (eficácia). Essa equipe jogou com eficiência, mas sem eficácia.” Daí a retórica de que os resultados é que importam. E os processos que sustentam os resultados? Ao transferirmos analogias como essa para as organizações, podemos avaliar as limitações: uma gestão focada nos “gols”, que prima pelos atacantes, desconsiderando a importância das demais posições para a criação de situações de gol. O 7 x 1 entre Brasil e Alemanha ilustra bem os resultados dessa visão.
  1. Os fins justificam os meios. Quando essa retórica maquiavélica é valorizada, pode-se inferir sobre a fragilidade das relações com seus diferentes públicos, especialmente sobre a dimensão ética. Quando uma empresa se diz ética e deseja expressar esses valores, as relações meio e fim seguem outra lógica: a de que os meios validam os fins. Visar lucros é legítimo e esperado de qualquer empresa. Interessa saber como as empresas lucram. A dimensão ética não está na busca dos lucros, mas em como as empresas se mobilizam para os fins desejados. É preciso ter atenção com as metas que fragilizam processos importantes dos negócios. Atente-se para o fato de que apesar de serem vistas por muitas empresas como meios, as Pessoas não são coisas, tampouco são propriedade das empresas. Uma empresa que não consegue garantir às pessoas respeito e dignidade nas relações de trabalho, não tem com o que se orgulhar de seus resultados.
  1. O uso da “chibata” consiste num dos meios difundidos em empresas que funcionam por metas. Num movimento top-down os relatórios e as cobranças por resultados esfolam pessoas em todos os níveis organizacionais produzindo ansiedade, tensões desnecessárias, estresse, doenças ocupacionais e psicológicas. Sim, esse é o resultado de maior impacto. Salvo exceções, as pessoas não estão mais dispostas a trabalhar de maneira doentia para ganhar mais por tanto tempo. As gerações mais jovens, sequer se enxergam trabalhando nessas configurações organizacionais – não por que são preguiçosas, mas porque têm outros valores. Os níveis de comprometimento das pessoas têm baixa relação com a gestão por metas.
  1. As metas que matam os negócios. Uma gestão por metas com um nível de fragmentação e desarticulação pode ser letal aos negócios. O alinhamento estratégico entre as áreas consiste num dos pontos mais críticos da gestão das empresas de todos os portes e setores. Em muitas empresas é possível encontrar indicadores que colidem com as definições para diretrizes estratégicas, bem como não estabelecem relações de interdependência entre as áreas. É comum, por exemplo, verificar problemas dessa natureza entre as áreas comercial e financeira, entre operações e gestão de pessoas…Além de expressar dificuldade de organizar a empresa numa sequencia lógica de processos, a adoção de mecanismos fragmentados de avaliação de resultados deteriora as possibilidades de crescimento sustentado. Antes de se ocupar com métricas, é preciso organizar os fluxos organizacionais para os resultados esperados.
  1. A gambiarra das metas. Muitas empresas adotam indicadores e metas que não convergem com as suas especificidades – por ignorância, preguiça, incompetência ou obediência medíocre a modismos dentre outras razões. A adoção de indicadores e metas necessita de análises causais refinadas sobre a empresa. Dessa limitação, também decorrem escolhas focadas à dimensão financeira. A área financeira é suporte/meio: deve servir às demais áreas, não as subordinar exclusivamente aos seus critérios.

É possível uma gestão de resultados que não seja orientada por metas?

Mais do que possível é imprescindível que as empresas revisem suas práticas de gestão sob pena de ficarem à margem de resultados pouco significantes para os negócios e para as pessoas. Uma “gestão por planilhas” pode perder de vista o potencial que as empresas têm de crescer e inovar. Muitas empresas desaparecerão pela elevada capacidade de controle de indicadores que indicam pouco sobre a própria realidade. Em lugar de gastar energia e potência organizacional com excessivos controles é preciso estabelecer práticas que fortaleçam um modus operandi que desenvolva novas capacidades por toda a empresa. Isso gera resultados!

 

Showing 6 comments
  • Luis Fernando
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    Descordo totalmente de seu ponto de vista.
    Sem metas é impossível termos gestão, a meta direciona a empresa para resultados de alta performance. Meta é resolver problema e logicamente este precisa ser muito bem definido e termos ótimos planos de ação e ótima execução. Com um ótimo desdobramento das metas as metas da empresa estarão totalmente conectadas.
    Metas bem feitas sem dúvida fazem toda a diferença para a empresa alcançar alta performance e lucratividade.

    Luís Fernando Kronixfeld

    • Claudia Coser
      Responder

      Luis

      O problema não está relacionado com as metas em si, mas como elas são adotadas nas organizações. É possível sim ter resultados de alta performance sem centrar-se nas metas.

  • Pauluck Costa
    Responder

    Acredito que nesse contexto a literalidade do termo “resultado” faz mais sentido para mim.
    RESULTADO: o que resulta, o que é a consequência, o efeito de uma ação, de um princípio.

    Para que metas tenham aderência em uma equipe, precisam fazer sentido, significar algo para quem irá trabalhar com ela. Precisamos lembrar que pessoas são movidas por motivação, que por sua vez é movida por autonomia, domínio ou propósito. A partir desse ponto, fica claro para mim o que precisamos gerenciar de forma eficiente e eficaz (uma vez que essa sem a outra compromete o resultado).

    Onde são nossas ações? Onde estão nossos princípios? Quais são nossos valores?

    Acredito que as respostas dessas questões são os fatores da resultante “Gestão por Resultados”.

    • Claudia Coser
      Responder

      Olá Pauluck

      Sem dúvida, os resultados são consequência de uma série de processos, não um fim em si mesmo. Então, gerir por resultados, pelo reduzido controle por algumas métricas/indicadores não significa que os objetivos organizacionais serão atingidos.

      Afetuoso abraço!

  • Hudson Roza
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    Excelente!
    Acredito que fatores como confiança, consciência, responsabilidade possibilitam melhor fluidez nos processos e geram bons resultados para quaisquer empresas. Sendo assim, superam em muito outros aspectos como o da cobrança, da tensão e da “escravidão sufocante em ser guiado por metas.

    • Claudia Coser
      Responder

      Esse é o caminho…relações de confiança.

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