DIREITOS HUMANOS: 14 motivos para ser mais Humano

Se você é daqueles que pensam, e pior, dizem que os Direitos Humanos servem para: “defender bandido”, que é “mimimi”, que é coisa para “vagabundo”, “militante” dentre outras manifestações de ignorância – então senta que esse texto é escrito para você!

Vai com calma, abstenha-se dos preconceitos e intolerância e tenta ser um pouco mais humano e empático com o Outro.

Para início de conversa, saiba que os Direitos Humanos são Universais. Todos –  sem distinção de raça, cor, etnia, religião, gênero, idade, escolha sexual, opinião política, origem, fortuna seja o que for –  temos os mesmos direitos. Somos iguais perante a lei, e à proteção da lei – direitos e deveres.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara:

“O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.”

Se você se diz gente de bem, precisa respeitar os fundamentos de liberdade, justiça e paz, visto que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, e as bases das relações entre os membros da família humana deveriam ser de fraternidade.

Como delegada para as Conferências Estadual e Nacional de Direitos Humanos em 2016, foi possível me aproximar um pouco mais das dificuldades enfrentadas por pessoas em diferentes categorizações sociais. Apresento 14 motivos para você refletir:

  1. Um terço das pessoas no mundo vivem na pobreza e miséria, em brutal desigualdade. 80% dos habitantes vivem em países do Terceiro Mundo, os demais 20% habitam países desenvolvidos. As profundas desigualdades na distribuição das riquezas são chocantes. Nos últimos 30 anos o número de pessoas que vivem com menos de US$ 1,00 por dia duplicou nos países menos desenvolvidos. 815 milhões de pessoas são vítimas de subnutrição crônica grave. Enquanto isso, o desperdício de alimentos a cada ano em países ricos é de 222 milhões de toneladas, muito em função dos padrões de consumo. Países em desenvolvimento também desperdiçam, porém em maiores proporções durante a produção agrícola. Em 2050, deveremos chegar a 10 bilhões de habitantes no planeta. Você já parou para pensar nas possibilidades para conter a fome?
  1. As pessoas com deficiência experienciam os limites do corpo, das oportunidades e do acesso. Mais de um bilhão de pessoas vivem com alguma deficiência. 150 milhões de pessoas com menos de 18 anos de idade têm alguma deficiência. Ter deficiência aumenta o custo de vida em cerca de um terço da renda. Menos de 50% desses não completam o ensino primário nos países em desenvolvimento, e mais de 50% dos deficientes não conseguem pagar os serviços de saúde. Mulheres e meninas com deficiência são vulneráveis a abusos, violência e estupro. Na rua, vivem 30% de crianças com algum tipo de deficiência e 90% destas não frequentam a escola. Pessoas com deficiência precisam ser vistas sob a perspectiva de oportunidades e portadoras de direitos, elas não desejam do sentimento de pena.
  1. No mundo há uma pessoa idosa (60 anos ou mais) para cada nove pessoas. Até 2022 teremos um bilhão de pessoas nessa faixa etária. No Brasil, a população idosa é de aproximadamente 23,5 milhões de pessoas. As violações de direitos da pessoa idosa são absurdas: negligência, violência psicológica, abuso financeiro e econômico, violência física, violência sexual, violência institucional, discriminação dentre outras violações. O rendimento médio do idoso no Brasil é de R$ 657,00 por mês e a aposentadoria é a principal fonte de renda. A idade média é de 67 anos. A forma como a sociedade e as empresas tratam a Pessoa Idosa diz muito sobre seu futuro. De maneira covarde, empresas descartam pessoas com 45 anos de idade e se atentam à pessoa idosa, caso se dispunha de renda para consumir. O “bom velhinho”, serve apenas aos caprichos dos rituais natalinos da festa consumista.
  1. As crianças têm menção específica na Declaração Universal dos Direitos Humanos no art. 25o: “A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.” Todos os direitos fundamentais de que gozam as crianças e adolescentes são alcançados pelo princípio da prioridade, hão de vir em primeiro lugar. Ainda assim, crianças e adolescentes têm direitos violados: violência física, violência sexual, violência psicológica, negligência, trabalho infantil dentre outros. Mais de 3 milhões de meninos e meninas ainda estão fora da escola no Brasil. Eles têm rosto: são pobres, negros, indígenas e quilombolas. Quase 1.7 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos trabalham (Pnad, 2013). A face mais trágica das violações de direitos sãos os homicídios de adolescentes que chegam a 11,1 mil casos por ano (Datasus, 2014). A cada dia, 30 crianças e adolescentes são assassinados: em sua maioria meninos negros, pobres, que vivem nas periferias e áreas metropolitanas das grandes cidades. A taxa de homicídios entre adolescentes negros é quase quatro vezes maior do que entre os brancos. Dos adolescentes que morrem no Brasil, 36,5% são assassinados. O Brasil está em segundo lugar no ranking dos países com maior número de assassinatos de meninos e meninas de até 19 anos, atrás apenas da Nigéria. (UNICEF, 2014). Somos avançados na legislação, mas incapazes de garantir proteção às crianças e adolescentes. Com crianças e adolescentes, mais amor por favor!
  1. Pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) ainda enfrentam discriminação e violência. Ser LGBT se configura uma situação de risco. As violências geradas pela homofobia transcendem a rejeição irracional ou ódio na medida em que se qualifica o outro como contrário, inferior ou anormal excluindo-se sua humanidade, dignidade e personalidade. A homofobia é definida como preconceito ou discriminação contra pessoas em função de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. As violações de direitos humanos que vitimizam a população LGBT costumam ser agravadas por violência, ódio e exclusão. A cada 33 horas um homossexual é assassinado no Brasil. A geografia da intolerância põe o Brasil como um dos países mais homofóbicos do mundo. Que incapacidade é essa que te faz acreditar reunir condições e direito para arbitrar sobre as escolhas do Outro?
  1. À época da chegada dos europeus no Brasil, estima-se a existência de 1.000 povos indígenas somando-se aproximadamente 4 milhões de pessoas. Hoje, temos 247 povos e 157 línguas diferentes. Somam 900 mil pessoas, dois terços em áreas rurais. Distribuem-se em Terras Indígenas de norte a sul do Brasil. Cada povo indígena se identifica como coletividade específica. A Carta Magna reconhece a organização social, os hábitos, os costumes, as tradições e as diferenças culturais dos povos indígenas, assegurando-lhes o direito de manter sua cultura, identidade e modo de ser. Ao Estado cabe o dever a sua proteção. No entanto, há registros frequentes de assassinatos, chacinas, massacres, envenenamentos, prisões ilegais, torturas, violência psicológica,  intimidação e ameaças, despejos violentos, atentados contra aldeias, remoções forçadas, aculturação, escravização, estupros, campanhas difamatórias, preconceito. São crimes que geram traumas individuais e coletivos sentidos intensamente nas comunidades. Os índices de suicídio entre jovens indígenas é elevado e muito superior a media nacional em algumas localizações, como no Mato Grosso do Sul. A dor, o sofrimento e o silêncio opressor são muitas vezes traduzidos em rituais e depoimentos de incontáveis perdas de vida, cultura e território geradas pelas investidas em nome do “progresso”.
  1. A igualdade de gênero ainda configura sonho para as mulheres. O Brasil ocupa o 85o lugar entre 145 nações. Segundo o Fórum Econômico Mundial, há abismo salarial entre homens e mulheres – o salário médio anual das mulheres é de US$ 12.000, enquanto que o salário dos homens é de US$ 20.600. A participação das mulheres no alto escalão é de aproximadamente 15%. Ainda se deseja delimitar os espaços sociais para a mulher, onde ela deve trabalhar, como deve se vestir dentre outras formas de sujeição “legitimadas” por convenções políticas e culturais. Embora as mulheres ocupem metade das vagas nas universidades, padecem de igualdade de oportunidades. Na maioria das universidades professoras estão em número significativamente menor. A maternidade para muitas, implica no risco da perda de emprego em empresas privadas.
  1. Não bastasse a limitação de oportunidades, a violência contra a mulher vai desde a cantada ofensiva, a liberdade tolhida, o constrangimento, o estupro, o feminicídio. E para achincalhar, há a culpabilidade por todas essas violações na cultura do estupro. A cada hora e meia, uma mulher é assassinada no Brasil, apenas por ser mulher. O Brasil é o 7o país que mais mata mulheres no mundo. Machismo e misoginia matam! A violência doméstica conjugal tem relação com o feminicídio e tem base cultural, social e política. Expressa a vontade de domínio, inferioridade e adestramento do homem sobre a mulher. Prova disso é que 43,4 dos assassinatos femininos tiveram autoria do parceiro da vítima. Uma em cada 5 brasileiras reconhece já ter sido vítima de violência doméstica, depois de uma série de investidas psicológicas contra sua integridade. Os comentários machistas e humilhantes disfarçados de observações bem-humoradas e ciúme doentio com aparência de zelo são armas utilizadas por homens para violentar uma mulher, além é claro, de tirar lhes tolher o direito de ser, fazer ou ter A igualdade de gênero é mais que direito, é condição humana. Como você gostaria que sua filha fosse tratada? E se fosse mulher como acredita que deveria ser tratada?
  1. A desigualdade étnico-racial no Brasil ocorre especialmente contra negros e indígenas. Negro-descendentes representam quase metade da população brasileira, mas ainda estão à margem da cidadania. A “invisibilidade” dos problemas da questão racial ainda insiste: a história narrada tem cor branca, a mídia é branca, as novelas têm lugar para todos com definições socialmente estabelecidas. O lado bom da vida, lexicamente, não é negro. Até onde a hipocrisia nos levará? O Brasil das ostentações possui a segunda frota mundial de de jatos executivos, brancos; por outro lado o Brasil das chacinas e das misérias tem cor escura. Não se trata apenas do preconceito, mas a discriminação manifestada: no etnocentrismo, que por si só estabelece um grupo étnico como central e os demais como inferiores ou periféricos; na segregação racial/étnica envolvendo a separação física de grupos raciais/étnicos, que ocorre de maneira velada, mas visivelmente perceptível quando observamos os níveis de diversidade nas organizações. A crença sobre a inferioridade dos negros autorizou um dos comércios mais sórdidos que a humanidade conheceu por um período de 320 anos. Um comércio vil, que negociava o corpo e a vida. Na Terra de Santa Cruz o trabalho é negro. O racismo parte de uma premissa irracional da superioridade de um grupo racial sobre outro. Sim, a população negra brasileira acumula ao longo de meio milênio uma história de violação de direitos às margens da oportunidade. Mesmo entre os trabalhadores de baixa renda, pretos e pardos recebem menos do que os brancos, além da discriminação ocupacional, que visivelmente define critérios para a ocupação de postos de trabalho a partir da cor e não da meritocracia. Sabe aquele critério da “boa aparência”? Mulheres negras no Brasil recebem até menos da metade do que a mulher branca. Então quando você falar que “tudo é uma questão de escolha”, presta atenção nas condições recorrentes de vida, especialmente, no acesso à educação e ao emprego.
  1. Por falar em trabalho escravo, os dias de hoje reservam a muitas pessoas o trabalho análogo ao escravo caracterizado pelo trabalho degradante e pela jornada exaustiva. O Código Penal Brasileiro é claro quanto à definição: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.” Embora mais de 50 mil trabalhadores tenham sido resgatados (pessoas em vulnerabilidade socioeconômica e imigrantes), as penalidades para os donos das senzalas contemporâneas pouco os afetam.
  1. A condição das Pessoas em Situação de Rua expressa de maneira devastadora a incapacidade de uma nação frente a exclusão social e exposição à vulnerabilidade. Com a industrialização, cidades inflaram sem adequado planejamento urbano, tampouco com o número suficiente de postos de trabalho. Daí os bolsões de pobreza urbana nas cidades. Há uma relação intrínseca entre urbanização e situação de rua. São tratados como invisíveis, inconvenientes, merecedores de atenção no inverno. Na medida em que as temperaturas climáticas aumentam a frieza da sociedade se reveste de indiferença. Não lhes bastasse isso, ainda são vítimas de crimes relacionados à higienização movida pela intolerância e preconceito. Muitos são assassinados enquanto se acolhem em meio ao lixo, algumas folhas de jornal, uns pedaços de papelão: ateiam fogo em seus corpos ou atiram a queima-roupa. Os registros de ocorrência estão longe da realidade – poucos se importam com essa gente que não tem nome, não tem família, não consome e ainda causa náusea porque não toma banho. Do que precisam? De quase tudo: moradia, educação, saúde, emprego e renda. Ou você acha que as pessoas, de novo, “escolhem” a rua como abrigo?
  2. A intolerância religiosa, muitas vezes acompanhada de perseguição, ofensas discriminação e atentado à vida. A Declaração dos Direitos Humanos assegura a liberdade de expressão e de culto. O Brasil é um país de Estado Laico. Não há religião oficial. Os direitos de criticar dogmas e encaminhamentos de uma religião são assegurados pelas liberdades de opinião e expressão. Mas a discriminação e intolerância constituem violação de direitos. No Brasil, as crenças de matriz africana, como Candomblé e Umbanda são as que mais sofrem ataques. Crimes cibernéticos, agressões verbais, pichações em muros, invasões de destruição de terreiros, furtos, quebras de símbolos sagrados, incêndios e agressões físicas estão entre as mais praticadas. Por quais pressupostos partem aqueles que julgam suas crenças superiores às crenças do outro?
  1. A população carcerária brasileira chega a mais de 622 mil detentos. É a quarta maior população carcerária do mundo. O relatório da INFOPEN (2016) mostra que o perfil das pessoas privadas de liberdade é de jovens, negra e de baixa escolaridade. Sobre a natureza dos crimes pelos quais estão presos: 28% por crime de tráfico de drogas, 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio. Não há efetividade nas práticas de reabilitação e a reinserção socioeconômica não acontece, culminando em taxas de reincidência ao crime entre 70% e 80%. A cultura de que “bandido bom é bandido morto” impera na sociedade. Até poucos anos atrás os filhos de mulheres em privação de liberdade, viviam sob as mesmas condições que suas mães. Você consegue imaginar isso? Você consegue sentir alguma empatia por mães e filhos em privação de liberdade? Selas imundas e apinhadas de gente e toda a forma de violência o tempo todo? Sim, tem pessoas no cárcere em cumprimento à infringência da lei. E pagam cada dia da pena não apenas com a privação da liberdade, mas com a privação de dignidade. Imagine-se com o “alvará de soltura”, numa sexta-feira a tarde, sem lenço, sem documento, sem família e com o estigma de bandido…peça por misericórdia e um pedaço de pão para matar a fome e tente recomeçar.
  1. O Brasil possui 8.863 refugiados reconhecidos (CONARE, 2016) de 79 nacionalidades. Os principais grupos são compostos por pessoas da Síria, Angola, Colômbia, República Democrática do Congo e Palestina. A guerra na Síria já produziu 5 milhões de refugiados. O visto humanitário é concedido em função das graves violações de direitos humanos. Não bastasse a um refugiado todo o sofrimento dos movimentos migratórios – a perda de familiares, a saudade de casa – também pode encontrar toda a violência gerada pela xenofobia. Sim, ainda há grupos que responsabilizam os imigrantes pelo desemprego, criminalidade dentre outros problemas sociais.

Foram levantados 14 grupos com diferentes níveis de vulnerabilidade. Note que em todos os casos há perdas sensíveis de dignidade geradas pela exclusão social, discriminação, violência e atentado à vida. Importar-se com o próximo é uma questão de ética. Se prestarmos atenção, todos os dias, de alguma maneira, estamos mais próximos dessas realidades do que se imaginamos. Sabemos todos também que essas condições precisam de medidas estruturais, que envolvam Governos, Sociedade e Empresas. Apesar dessa realidade se apresentar estruturalmente estabelecida, jamais devemos olhar para o sofrimento do Outro, do Próximo como fatalmente dado para justificar o conformismo e a inação.

O princípio que proponho é básico: aqui e agora, eu, você e mais de 7 bilhões de pessoas usufruímos da graça da Vida. Somos todos viventes da mesma espécie e estamos aqui por um tempo…

Fontes consultadas:

http://leticiaebeatriz.blogspot.com.br

https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-com-deficiencia/

http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/dados-estatisticos/DadossobreoenvelhecimentonoBrasil.pdf

http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/dados-estatisticos/Relatorio2013.pdf

http://www.ebc.com.br/cidadania/2012/11/a-cada-33-horas-um-homossexual-e-assassinado-no-pais#histórias

http://feminicidionobrasil.com.br

http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/promocao-e-defesa/publicacoes-2013/pdfs/dialogos-sobre-a-populacao-em-situacao-de-rua-no-brasil-e-na-europa-1

https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-entenda-as-questoes-controvertidas-da-lei-13104-2015

http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/social-and-human-sciences/ethnic-and-racial-relations/

https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/povos-indigenas

http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato

http://www.justica.gov.br/noticias/populacao-carceraria-brasileira-chega-a-mais-de-622-mil-detentos

https://www.unicef.org/brazil/pt/activities.html

http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/brasil-cai-para-82o-em-desigualdade-de-genero-aponta-relatorio/

http://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/

 

 

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