A Culpa é da Vítima

Há indícios na história de que a Humanidade já foi mais cuidadosa e atenciosa com suas Vítimas. A maioria das outras espécies de animais faz isso por instinto. Por que caminhos estamos trilhando quando perdemos nas encruzilhadas a dignidade, a justiça e o amor ao próximo.

Experienciamos a cultura da Culpabilização das Vítimas, e isso não tem se aplicado apenas às mulheres vítimas de estupro. Abrange vários grupos vulneráveis de maneira violenta também.  Basta observar o comportamento social frente às taxas de mortalidade de jovens e de jovens negros por armas de fogo, à violência contra grupos LGBT, aos povos indígenas, pessoas em situação de rua. A cada crime praticado é possível encontrar uma razoável parcela da sociedade encontrando justificativas para culpabilizar as vítimas e justificar a ação do sujeito que pratica o crime – o criminoso.

Em síntese:

De um lado as Vítimas são culpadas em algum grau pela violência que sofrem a partir da relativização das relações, pelas circunstâncias, pelo preconceito, pelas relações de poder ou outras formas de assimetrias sociais e econômicas; por outro lado, os criminosos são inocentados em algum grau das barbaridades que cometem. Essas situações estão incrustadas na tessitura social de maneira a institucionalizar o que não tem legitimidade. Alguns exemplos:

– Na juíza que pergunta para vítima se ela fechou as pernas para não ser violentada…

– No juiz que inocenta o delegado pedófilo que abusou sexualmente da neta…

– Na pergunta absurda quando se faz Boletim de Ocorrência sobre violência doméstica: mas o que você fez para apanhar…

– No ministro que prevê revisão na demarcação de terras indígenas…

– Na denominação de Higienização ou Limpeza Social para crimes contra pessoas em situação de rua…

A culpabilização das vítimas também acontece de maneira mais sutil e até dócil a partir da utilização de linguagem e de proposição de um modus vivendi que também culpabiliza vítimas de maneira muito nociva e estipula formas de violência arrasadoras disfarçadas num discurso em que vítimas além de se sentirem culpadas, são desencorajadas a lidar com o sofrimento e são tidas como tóxicas, improdutivas…

As relações de trabalho, por exemplo, em muitas organizações abrigam situações de: sobrecarga de trabalho, injustiças, assédio moral, assédio sexual, tirania, desigualdade de gênero dentre outras atrocidades disfarçadas nos modelos de gestão mais sofisticados. As vítimas dessas condições também passam pela tortura social implícita e explícita em discursos que as culpabilizam:

–  “Chega de mimimi”.

–  “Livre-se de pessoas tóxicas e negativas”.

–  “Resiliência é tudo”.

– “Agradeça sempre. Cultive a gratidão”.

– “Depressão é para os fracos”.

O sofrimento, a dor e a tristeza são tidos como sentimentos e experiências que devem ser substituídos pela espetacularização da vida, pela superficialidade e fragilidade das interações. É proibido, é feio, é sinal de fraqueza reconhecer-se vítima: “engula-se o choro”. Trucidamos a todos os que sofrem por serem Vítimas (sim, Vítimas não Culpados) a cada renúncia e falta de empatia com o sofrimento do Outro.

Há indícios na história de que a Humanidade já foi mais cuidadosa e atenciosa com suas Vítimas. A maioria das outras espécies de animais faz isso por instinto. Por que caminhos estamos trilhando quando perdemos nas encruzilhadas a dignidade, a justiça e o amor ao próximo.

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