RESPONSABILIDADE SOCIAL: desde quando tratar as pessoas como pessoas é utopia? Tema 2/6: Práticas de Trabalho

As lições de casa para as organizações que desejam usufruir da imagem de portador de Responsabilidade Social implicam em alguns requisitos à gestão que atentem à promoção da cidadania, promoção do desenvolvimento sustentável e transparência das suas atividades.

Algumas normas nacionais e internacionais estabelecem parâmetros para se admitir que organizações de todos os portes e setores fazem gestão com Responsabilidade Social. A ABNT NBR 16001/2004 – Gestão de Responsabilidade Social é pioneira na adoção das diretrizes da ISO 26000, a última versa sobre as diretrizes para a RS.

Configuram seis temas centrais para os processos de Responsabilidade Social e suas expectativas relacionadas. Apresentarei nesse texto o segundo tema:

Tema 2: PRÁTICAS DE TRABALHO

Correspondem às Práticas de Trabalho todas as diretrizes e práticas referentes ao trabalho desempenhado na organização, para uma organização ou em nome da organização, incluindo o trabalho subcontratado.

Dentre as práticas constam os processos de recrutamento, seleção, treinamento, desenvolvimento, saúde, segurança do trabalho, dentre outras politicas que afetem as condições de trabalho, jornada de trabalho e remuneração. Além disso incluem elementos de governança das relações com representantes dos trabalhadores: as negociações coletivas, diálogo social e consultas tripartites (governos, trabalhadores e empregados).

A Organização Internacional do Trabalho – OIT, estabelece normas que definem princípios e direitos fundamentais básicos no trabalho: condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana.

Destaca-se que o trabalho não é mercadoria, aos trabalhadores portanto, não se aplicam as mesmas regras. De acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os princípios incluem o direito de todos a ganhar seu sustento por meio de um trabalho livremente escolhido e o direito a condições de trabalho justas e favoráveis. Dentre os itens esperados para as organizações:

  • Contratações legalmente reconhecidas;
  • Emprego seguro, implicando em planejamento da mão-de-obra sem excessos de contratações temporárias – salvo em setores genuinamente sazonais;
  • Comunicação razoável e tempestiva em reestruturações que envolvam encerramento de atividades;
  • Extinção de demissões arbitrárias ou discriminatórias;
  • Proteção de dados individuais e privacidade dos funcionários;
  • Responsabilidade na contratação de serviços terceirizados a partir de critérios legais para fiscalização e inspeções junto às empresas contratadas;
  • Em operações internacionais, promover o desenvolvimento local a partir de contratações de organizações do país em que se instala;
  • Proporcionar condições decentes de trabalho: remuneração, jornada de trabalho, saúde segurança e proteção à maternidade;
  • Proporcionar equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar e pessoal;
  • Salários iguais para trabalhos de igual valor;
  • Reconhecimento da importância das organizações representativas dos funcionários e estabelecimento de dialogo;
  • Liberdade aos funcionários que buscam fazer parte de organizações de interesse coletivo: sem ameaças, obstruções e demissões;
  • Efetividade nas políticas e práticas de prevenção aos riscos de saúde e segurança no trabalho;
  • Igualdade na proteção à saúde e segurança;
  • Garantia da participação dos funcionários nas definições de práticas de saúde e segurança no trabalho;
  • Acesso a todos os funcionários para programas de capacitação, além da oportunidade equitativa e não discriminatória às promoções de carreira.

Há muitos setores da economia amplamente regulados, o que permite elevado grau de adesão com a maioria das expectativas anteriormente citadas. Porém, mesmo entre organizações de visibilidade social, é possível encontrarmos práticas de trabalho pouco responsáveis. Os mecanismos e subterfúgios à irresponsabilidade ainda são recorrentes:

  • A Maternidade é tratada de maneira indecente em muitas empresas: em entrevistas de recrutamento e seleção ainda temos empresas que questionam mulheres sobre intenções à maternidade como indicativo de impedimento para contratação; outras empresas demitem mães no retorno da Licença Maternidade. Sim…cumprem o prazo legal de 4 meses para deixa-las à própria sorte numa das fases mais importantes e vulneráveis de suas vidas.
  • Ainda temos muitas empresas que expõem funcionários a ambientes insalubres e de alta periculosidade. Em paralelo aos produtos temos muitos resultados sociais: lesões por esforços repetitivos, surdez, acidentes fatais e acidentes com lesões irreversíveis ainda são recorrentes.
  • De modo dicotômico, as organizações de saúde, especialmente os hospitais, reservam para seus funcionários (médicos, enfermeiros dentre outros profissionais) as jornadas de trabalho mais exaustivas e patológicas: os plantões. Não é preciso ser médico para saber sobre os efeitos que a privação crônica do sono provoca num indivíduo. Nem se fala nas jornadas aplicadas aos Residentes (Treinamento em Serviço). Claro, há a dificuldade de se estabelecer uma rotina, visto que não se deixa um paciente em meio a uma cirurgia, por exemplo, mas é preciso pensar em escalas de trabalho que considerem melhor essas especificidades: a qualidade de vida do profissional e por consequência do próprio atendimento aos pacientes.
  • O setor de beleza, em especial alguns salões de beleza que independente do porte, estabelecem uma relação assimétrica com seus profissionais de beleza (cabeleireiros, manicures, esteticistas dentre outros) na medida em que estes sao contratados como “autônomos” sem a mínima autonomia: têm agenda estabelecida pela empresa, se submetem a todas as regras dos salões, trabalham além da jornada prevista, em regimes de escala dentre outras regras; por outro lado, não têm ferias, 13o, refeição, dentre outras obrigações legais.
  • Também há muitas empresas que “agraciam” seus funcionários com artefatos tecnológicos de comunicação, ou então os fornecem como equipamento móvel de trabalho – “desgraçadamente”, funcionários se ocupam 24 horas por dia com as demandas de superiores, clientes, fornecedores…experimenta não atender ao chefe que envia mensagem aos sábados, domingos e feriados…

Nem tudo está perdido, há organizações que estabelecem Práticas de Trabalho responsáveis e cuidadosas. Algumas pistas para identificá-las:

  • Essas organizações dispõem de uma área de Gestão de Pessoas em nível estratégico e concentra uma equipe multidisciplinar;
  • Não há espaço para “manobras” quando saúde e segurança do trabalho estão sob risco;
  • Reconhecem e respeitam os limites legais para as relações de trabalho como princípio de conduta, não como pressão regulativa;
  • Os funcionários têm vida social e familiar ativa, além de serem produtivos no espaço do trabalho;
  • As relações com os sindicatos não incluem cooptação;
  • São empresas respeitadas e reconhecidas pela sociedade e pelos funcionários;
  • Têm contencioso trabalhista relativamente baixo se comparado à média do seu setor;
  • Reúne os funcionários mais qualificados do seu setor;
  • Em tempos de crise, as demissões consistem na última alternativa a ser considerada.

As práticas de trabalho, em essência, expressam como uma empresa de fato percebe seus funcionários. Se os percebe como simples meio de produção, os tratará como mais um recurso. Também não se espere dos funcionários mais do que o pragmatismo funcional.

E desde quando tratar as pessoas como pessoas é utopia?

 

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